A proximidade dos Jogos de Londres levou-me a contratar o Mestre Pipico para algumas aulas particulares sobre esportes olímpicos (ele é uma enciclopédia na matéria). Pedi para começar pela ginástica artística, esporte em que me considero um semi-analfabeto. Ele apoiou minha sugestão erguendo o dedo indicador, professoral e afirmando: “A ginástica artística é um dos esportes mais apreciados e menos compreendidos”.
- Talvez por isso – continuou – seja chamada de artística que, evidente, vem de arte. Quantas obras de arte admiramos, sem entendê-las? Quem entende o quadro “A Metamorfose de Narciso” de Salvador Dali?
Ato contínuo Pipico mostrou-me o recorte de um jornal onde nosso campeão Diego Hypolito afirma que sua série em Londres será mais difícil do que a de Pequim 2008, mas ele desconhece qual será sua nota de partida. Permaneci em silêncio, olhando para a cara do Mestre com um ar de “e daí?”. Pipico sorriu e mandou:
- Por acaso o caro amigo que tanto aprecia esses incríveis ginastas em seus maravilhosos aparelhos, sabe o que significa “nota de partida”?
- Não faço a menor ideia – respondi baixinho
Pipico então explicou: A nota de partida resulta do valor que os juízes atribuem aos elementos que o ginasta vai executar em sua série. É claro que eles tomam conhecimento de tais elementos antes da competição. Quanto maior for o grau de dificuldade, maior será a nota de partida.
Pipico ilustrou sua explanação com as palavras da atleta Jade Barbosa, que já declarou que vai elevar o grau de dificuldade de sua série voltando a executar o amanar.
- Executar o que? – interrompi
- O amanar que vale 2,5 pontos e vai elevar a nota de partida de Jade para 6,50!
- Eu ouvi – retruquei – só não sei o que significa amanar...
- Pirueta!
A nota de partida varia de atleta para atleta, sendo ela apenas uma parcela do resultado final do ginasta. A nota de partida é avaliada por dois juízes do chamado grupo A. A outra parcela vem dos seis juízes do grupo B que analisam a execução da série avaliando os movimentos e o desempenho artístico do atleta.
- Não sabia que havia dois grupos de juízes...
- Não me surpreende – reagiu o Mestre – o trabalho dos juízes é tão incompreendido quanto o dos atletas nos aparelhos.
Na execução o limite máximo é de 10 pontos. À medida que o atleta comete erros os pontos vão sendo descontados. Se ele se despregar do aparelho é descontado um ponto. Para erros pequenos, médios e grandes são abatidos 0,1, 0,3 e 0,5 pontos, respectivamente. A nota final é a soma das notas dos oito juízes dos grupos A e B, conferida após as avaliações e deduções. Sendo que das seis notas do grupo B são eliminadas a maior e a menor
- Poxa – gemi – agora entendo porque a nota final às vezes demora tanto para ser anunciada
- E tem mais – afirmou Pipico – Na execução, os exercícios têm um valor inicial de 8,60 para os homens e 9,00 para as mulheres. Se o atleta não acrescentar à sua série elementos de dificuldades, que dão bônus, este será o máximo de pontos que conseguirá na execução. Atualmente nenhum atleta consegue mais aquela nota final 10 que a baixinha Nadia Comaneci conquistou em 1972 nos Jogos de Munique.
- Por quê? – minha pergunta era óbvia
- Porque a Federação Internacional de Ginástica separou as notas de partida (graus de dificuldades) das notas de execução e ninguém chega aos 10!
- Separou como?
- Através do Código de Pontuação, uma espécie de estatuto da Federação que rege o sistema de avaliação...
- Dá para falar um pouco sobre esse código?
Pipico olhou para mim, para o relógio e disse:
- Daria... se tivéssemos mais duas horas de aula! É um calhamaço de páginas que muda a cada Olimpíada, para desespero de atletas, técnicos e juízes...
Leia as crônicas anteriores de Carlos Eduardo Novaes:
Um salto para Londres
As meninas do vôlei
Esgrima, um esporte de combate
O eterno Hoyama
Deu samba no adestramento
Os ornamentais dos saltos
Ciclismo, a roda nas Olimpíadas
Vela, o esporte das medalhas
Mayra Aguiar, do tatame ao pódio
A longa final
O vôlei nosso de cada dia
As baixinhas da ginástica
Maratona, a prova maior
Londres à vista!
Tiro e queda
Basquete, um jogo por encomenda
Salto com vara, curta!
Golfe, o retorno
Handebol, o avesso do futebol
Remo, uma antiga paixão
Tênis, o jogo dos reis
Vôlei: um jogo para senhores?
Quem inventou o esporte?
O grito olímpico
Visão muito peculiar dos esportes olímpicos de um dos mestres da literatura brasileira
cenova@terra.com.br